TEXTO: AO VIVO NO AQUI AGORA

Texto construído coletivamente por Jonata Vieira, Nayara Leite, Gabriel Mendes, Hyu Oliveira e Sol Markes. Publicado em 11 de agosto de 2020 no blog Mistura.

3/27/20254 min read

A companhia artística Teato do Amanhã atua em Belo Horizonte, desenvolvendo trabalhos na cidade, fomentando a cena cultural e realizando pesquisas nas diversas manifestações artísticas que apresentam o corpo como suporte, apresentando o aquiagora como base da dramaturgia ligada na vida. Além da concepção de espetáculos, de cenas de teatro e de performances, a companhia é mantenedora das Residências Emtranse e Terra, Moradia e Arte.

Fundada por Jonata Vieira e Gabriel Mendes em 5 de janeiro de 2017, a companhia mantém uma intensa pesquisa de registro, propondo uma forma ampliada para a captura do momento presente, construindo novas possibilidades por meio da fotografia, do desenho, da escrita e do vídeo, apresentando um robusto acervo dos processos criativos registrados ao longo dos quase 4 anos de existência. Parte desse registro foi feito a partir da gravação das residências e de ensaios e espetáculos, como Banheirão (2018-2019) e Entre Parentes, o qual iria estrear em março de 2020, mas foi adiado devido à pandemia da COVID-19.

“Banheirão" surgiu a partir de uma intensa pesquisa iniciada em 2017 sobre cinemas antigos, indústria pornográfica, cafetinagem e pegação em espaços coletivos. A construção desse espetáculo foi extremamente importante para o amadurecimento da companhia.

A partir das experiências adquiridas com Banheirão, nasce "Cinemão", nova dramaturgia fruto desse mágico universo. A microcena de Cinemão foi aprovada no edital Cena Espetáculo do Galpão Cine Horto 2020, cuja data de apresentação segue suspensa devido ao cenário de isolamento social.

Em paralelo à construção de espetáculos, o Teato do Amanhã mantém, desde 2017, a Emtranse, residência em “artes do corpo”, que propõe estimular os encontros entre artistas, pessoas observadoras e público interessado, em estrutura de ateliê destinada ao diálogo, ao compartilhamento de processos e à experimentação artística.

Tendo passado pelo CRJ - Centro de Referência da Juventude, Praça da Estação e Casa Rosa de Marte, em abril de 2020 seria realizada a 4ª edição da Emtranse, com patrocínio do edital Zona Cultural da Praça da Estação. Também seria realizada a residência Terra, Moradia e Arte no Centro Cultural Vila Santa Rita, e nas ocupações Eliana Silva e Paulo Freire, como parte do edital cultural Descentra. Ambos os projetos foram paralisados.

A produção de imagens a partir do Ato é base importante do nosso trabalho. Sintetizar o momento vivido de forma coletiva por meio do registro é um desafio, são muitas questões técnicas da tecnologia que nos atravessam a todo momento, mas, quando incorporadas e assumidas como órgão do corpo da companhia, aos poucos conseguimos naturalizar, compreendendo por inteiro sua importância e necessidade em tempos de big brother da vida contemporânea.

Nesse contexto, a realização dos registros audiovisuais também se faz por meio do corpo, da respiração e do ritmo falho de quem a executa. A pessoa câmera, que era uma proposta de ferramenta/dispositivo para a peça Banheirão, não fez parte das apresentações, mas se fortaleceu, tornando-se laboratório e incorporando-se nos processos criativos da companhia. A câmera sempre subjetiva, afetiva e curiosa, que não se preocupa com enquadramentos perfeitos, e também se ancora no aquiagora, dilatando ou dinamizando o tempo o tanto que for preciso no ato específico. A lente da câmera é mais uma persona que respira junto, pulsa e estremece ao ser confrontada.

A cada trabalho formamos grupos diversos, e acreditamos na potencialidade dessas corpas na criação e no desenvolvimento artístico. A companhia é composta por Gabriel Mendes, Hyu Oliveira, João Vitor Mendes, Jonata Vieira, Lorrayne Antonielle, Nayara Leite, Ndpcon, Sol Markes e toda a rede Teato de colaboradores, em diversas áreas artísticas. Juntes somamos experiências e vivências de diferentes territórios de Belo Horizonte, região metropolitana e outras cidades do interior de Minas Gerais.

Somos uma companhia de atuadores, artistas ligades na vida, na presença, no ato radical da criação. Seguir as orientações da OMS, paralisar a estreia de Entre Parentes, novo trabalho cênico da companhia, e adiar a 4ª edição da residência Emtranse, não foram decisões fáceis, nos pegou em cheio. Processos de 6, 8, 10 meses foram colocados num amanhã ainda incerto e duvidoso. Nos reviramos para dentro e, com base em nossa rica conexão nas redes, desejamos aprofundar nelas, criando três importantes programas de entrevistas, “teato ao vivo”, “atravessadas pela pandemia” e “escolas de arte em foco”.

Começamos pelo “teato ao vivo”, lá no início das medidas de distanciamento social, com o objetivo de ter um bate papo aberto com artistas que admiramos e acompanhamos e de dar visibilidade para novas vozes nas discussões sobre arte, cultura e sociedade. “atravessadas pela pandemia” nasce da necessidade de criar diálogos com um foco maior nos atravessamentos do presente, discutindo estratégias de sobrevivência e ação. “escolas de arte em foco” vem da comunicação da companhia com as escolas de arte no país, bem como com seus pensadores e educadores.

Até aqui, foram 19 entrevistas, com diferentes artistas/parceires de Minas Gerais, da Bahia e de São Paulo. Firmamos o nosso ponto na encruzilhada das plataformas digitais e nos conectamos em nosso público, que agora não está dividindo o mesmo chão sagrado conosco, mas cada uma em seu território está contribuindo para um fazer coletivo, pois falar sobre é também fazer, um outro fazer, mas que tem suas potencialidades nesse grande Ato tecnologicamente surpreendente. Para o segundo semestre de 2020, estrearemos aos sábados de Setembro um novo programa, com novas entrevistas, abordando assuntos urgentes para a cultura brasileira.

De modo Ao Vivo, estamos desafiando a estrutura precária que nos foi imposta, sem incentivo para a manutenção da companhia em tempos de pandemia. Seguimos criando novos caminhos, refletindo sobre o passado, agindo no presente, para a partir de nossas ações, desejar um novo amanhã, que não venha ser normal, mas sim verdadeiro.

Texto originalmente publicado no Site Mistura em 11 de agosto de 2020.

Disponível em: https://www.misturateatro.com/post/ao-vivo-no-aqui-agora